Quem seria capaz de imaginar a grandeza da Assunção de Nossa Senhora?

Imaginando como seria a reação dos apóstolos ali presentes, Dr. Plinio procura recompor tão grandiosa cena.

Hoje se comemora a Assunção de Nossa Senhora, festa de todos os gáudios, do dia em que Nossa Senhora, ressurrecta, tendo abandonado sua condição mortal, sobe aos Céus levada pelos anjos. O Céu inteiro participou desta alegria.

Que reflexão convém fazer a respeito da Assunção de Maria Santíssima?

“Onde está o lugar para minha Mãe?”

Imaginemos a noite de Natal. Ela continha um néctar, uma poesia, um encanto, propiciando um discernimento de espíritos por onde todo o mundo de certo modo sentia e conhecia a graça de Deus, pela qual Cristo descia como um orvalho do mais alto do Céu, ou seja, do claustro sacratíssimo de Nossa Senhora, e, sem transgredir a virgindade intacta e ilibada da Mãe, entrava nesta Terra. A Virgem teve um Filho e a Terra se extasiou.

É realmente uma maravilha.

Ao fundo, Assunção de Maria – Pinacoteca dos Museus Vaticanos, Roma. Abaixo, à direita , A coroação de Maria – Museu Capitolini, Roma; à esquerda, detalhe de Assunção – Museu Capitolini, Roma.
S. Miyazaki
Dr. Plinio durante uma conferência nos anos 80.

Mas depois acontece outra maravilha. É a obra-prima da Criação que vai entrar no Céu. O que houve no reino do criado de mais alto foi a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele foi o primeiro a entrar no Paraíso, e no seu sulco foram as miríades de almas que estavam no limbo. Nunca teremos uma idéia suficiente nesta Terra a respeito da glória inimaginável da entrada de Nosso Senhor no Céu.

Somos incapazes não só de descrever, mas de imaginar o que se passara no Tabor, quando o Divino Salvador ali foi glorificado. Pois bem, ao entrar no Paraíso, sua glória era incomparavelmente maior que a manifestada no Tabor. E a alegria dos habitantes do Céu não pode ser comparada com a dos que estavam no monte, vendo Nosso Senhor transfigurado, e pediam para fixar umas tendazinhas permanentemente.

S. Hollmann
Dormição da Santíssima Virgem Maria – Museu do Prado, Madri.

E, no esplendor do Céu, tendo festejado na sua humanidade o encontro com o Pai e com o Espírito, depois de tomar gloriosamente assento — sua natureza divina nunca deixou o Céu —, por assim dizer, seu pensamento deve ter sido: Onde está o lugar para minha Mãe?

Imagino que Ele, então, começou a preparar tudo para o dia da Assunção de sua Mãe. Porque, depois da Ascensão, a maior festa do Céu foi inegavelmente a Assunção, durante a qual se poderia dizer que todo o universo estava numa alegria especial.

Explicitação das glórias existentes em Maria

Os Apóstolos, certamente, ficaram desolados com aquilo que a Igreja — mestra de todas as delicadezas — chama “dormitio Beatae Mariae Virginis”, a dormição da Santíssima Virgem Maria. Em português a palavra “dormição” não existe, exceto para se referir à morte de Nossa Senhora, a qual foi leve como um sono.

Logo depois da dormição, os Apóstolos, ainda desolados, veem Maria Santíssima que ressurge.

Imaginemos que a Assunção tenha ocorrido no próprio Tabor.

Julgo que toda a glória existente em Maria Santíssima começou, então, a manifestar-se aos presentes, como outrora sucedera com Nosso Senhor no alto daquele mesmo monte.

Todas as bondades, toda a suavidade, soberania, todo o domínio, atrativo, a virginal intransigência e firmeza, n’Ela se afirmavam de um modo esplêndido, e iam misteriosamente reluzindo e acentuando-se. Tenho a impressão de que, quando isto se iniciou, as pessoas ali presentes lançaram exclamações, depois começaram a cantar e, por fim, o canto foi morrendo e, se assim se pudesse dizer, passou a zumbir, mas zumbir celestialmente, o silêncio de quem já não ousava dizer nada.

Até certo momento as pessoas ainda se entreolhavam; depois, como que esquecendo haver outros perto delas, só olhavam para Nossa Senhora, a qual não cessava de manifestar sucessivamente quintessências de Si mesma. E tinham a impressão de que não era a Santíssima Virgem que ia subir, mas o céu desceria até Ela. Dir-se-ia que a cúpula celeste estava se tornando cada vez mais baixa e, se alguém estendesse a mão, tocaria com os dedos no azul!

Certamente, a isto correspondeu, em determinado momento, uma sensação de tal veneração e inferioridade, mas ao mesmo tempo de tal intimidade, que cada um sentia Nossa Senhora dentro da própria alma, tão meiga, afagante, recomponente, tonificante, reparadora, e Mãe.

“Embebidos” de Nossa Senhora…

Algo de muito profundo operou-se nas almas, onde a palavra de Deus penetra como um gládio com dois gumes. Ora, se lá entra a palavra de Deus, por que não penetraria o afeto da Mãe de Deus? E então todos se sentiam como que embebidos de Nossa Senhora, à maneira de um papel sobre o qual se põe azeite perfumado, e já não sabiam mais o que dizer.

Os Apóstolos, certamente, ficaram desolados com aquilo que a Igreja — mestra de todas as delicadezas — chama “dormitio Beatae Mariae Virginis”, a dormição da Santíssima Virgem Maria.

Em certo momento, começam os ares a se mover e os ventos como que a tomar formas que flutuam de um modo singular; definem-se figuras angélicas em torno de Maria Santíssima e o céu se revela sucessivamente cheio de anjos que cantam. Ela havia chegado ao auge de seu esplendor, mas, para mostrar que supera todos os anjos, o aumenta ainda mais até o indizível, de maneira que os próprios anjos se tornam pálidos, em comparação com Nossa Senhora.

Os presentes acompanham com exclamações e não percebem que Ela perdeu toda a proporção com a Terra; é a hora da despedida…

Maria Santíssima começa a mover-se, a olhá-los com um afeto, procurando transpor uma distância cada vez maior, e eles sentem que a separação está acontecendo. E ao mesmo tempo se entristecem e se alegram, choram e se extasiam, sentem-se no Céu e na Terra do exílio. Eles vão prestando atenção nos anjos, devido a seus cantos cada vez mais indizivelmente belos.

Em certo momento, eles verificam que Nossa Senhora tinha desaparecido no vértice dos anjos, os quais revoam e cantam mais algum tanto para consolá-los. Depois vão sumindo gradualmente…

Eles percebem, então, que estavam juntos, começam a se olhar e ficam quietos. De repente, um diz: “Vamos para casa?” E outro responde com voz suave: “Sim, pois já é tarde!” E começam a descer o Tabor.

Caminhando, conversam entre si: “Lembra-se de tal coisa? Daquela cena? De tal outra beleza?” Quando dão acordo de si, estão todos cantando.

E, ao se despedirem, eles se perguntam: “Quando nos reencontraremos para continuar relembrando aquelas maravilhas?” E comentam: “Há um modo de nos encontrarmos: sermos todos consoantes com Maria Santíssima. Ela estará conosco, e onde está Ela está Nosso Senhor.”

Como veem, não ousei descrever Nossa Senhora, mas sim a reação daqueles que olhavam para Ela. Não acredito que alguém tenha — pelo menos, não sinto em mim — talento ou capacidade para descrevê-La em sua totalidade. Quem julga possuí-los, se engana.

Lembro-me do expediente empregado por Dante Alighieri no canto último da Divina Comédia. Depois de ter percorrido todo o Céu, ele se apresenta a Deus, mas não ousa olhar para o Lumen Incriado, que está brilhando. Então volta sua vista para Nossa Senhora e, nos olhos d’Ela, ele vê o lumen de Deus. E, com o famoso hino final à Santíssima Virgem, Dante termina a Divina Comédia. Assim, é justo que olhemos para as almas daqueles que viram Nossa Senhora subir ao Céu, para vermos o reflexo d’Ela.

(Extraído de conferência de 15/8/1980)